Ó, Arcádia! Arcádia! Agora querem te jogar na lata de lixo! Atiçaram a sanha de teus detratores! Teu sangue já queima a rocha que te serve de pedestal!
O que relato a seguir, é apenas uma opinião, como deve ser, por certo, um ensaio.
Muito se fala sobre a norma, sobre a estrutura gramatical da Língua a ser praticada. Necessário estabelecer de já, a distinção com a Linguagem, onde tudo é permitido, onde não há certo ou errado, onde não há códigos pré-estabelecidos. A Língua, por sua vez, já representa em si, o êxito da ordem sobre o caos, um estatuto. É o arranjo coerente e uniforme de sons que se convencionou e se atribuiu significados, para contrapor o universo incongruente e incompreensível dos grunhidos aleatórios que a laringe pode emitir. É o instrumento da comunicação por excelência. Há uma correspondência constante dos significados cifrados, como um pacto entre os falantes, para que uma mensagem seja uniforme e compreensível por todos. É provável que esta hierarquia e organização de significados exista também nas relações dos indivíduos de outras espécies animais, de modo rudimentar. Parece óbvio que um sistema, uma norma, se impõe ao se estabelecer uma língua.
Criou-se de modo inconsciente e não intencional esse mecanismo de comunicação a que chamamos Língua ou Idioma. No dizer de Hayek, uma ordem espontânea alargada.
Como é próprio das coisas desse mundo, o tempo imprime em tudo as suas marcas, as transformações, e a Língua não seria a única exceção. Mas há um ritmo e uma ordem natural, também espontânea, nesse mister. Não se concebe a interferência voluntária e intencional do homem nesse processo, sob pena de macular uma construção forjada naturalmente, que tem suas próprias leis naturais irrevogáveis. Há quem permita, e inclusive elogie, os erros crassos à norma, como alternativa ao dever de ensinar a Língua Portuguesa. Com essa desordem gramatical retornaremos, em breve, ao estágio dos grunhidos de onde partimos há séculos.
O Ministério da Educação, antigo MEC, instituiu edições adensadas dos clássicos com alterações textuais inclusive, para facilitar o entendimento do aluno deficitário. Mutilação absurda de obras fundamentais da literatura universal, associada a dano permanente na cognição de nossos jovens. Advogam um caminho inverso ao trilhado pela inteligência humana através do tempo.
A impossibilidade de ensinar a todos o bom falar não pode ratificar as transgressões, nem deve propor a incorporação dessas deleções ao genoma da língua. Foi assim que o socio-construtivismo destruidor, que se aplicou ao ensino em geral, propôs o rebaixamento da média escolar para que o aprendiz incapaz consiga concluir um curso e figurar como uma estatística favorável ao sistema de poder. Mesmo nas escolas, lugar onde se deve aprender, falar errado é visto como alternativa renovadora. Conseguirão, no máximo, um novo Dialeto, pois, considero a Língua imune a esses atropelos. Será que logo dispensaremos o ensino da gramática, um dos pilares do Trivium? Seria a Gramática mais um condenado da lista dos saberes provisórios? Onde está a beleza do “nóis é”?
Quando um homem leigo fala, ou escreve, ou declama um poema que brota de seu gênio incontido, ele não viola ou danifica o idioma, porque usa o léxico, a sintaxe, a concordância, de que dispõe para se expressar. E há beleza e originalidade nisso. Ele está usando o seu repertório. O belo é o seu conteúdo, a sua mensagem, não a arranhadura que inconscientemente imprime ao corpo da língua. Não cabe uma crítica nem tampouco promulgar o seu modo de falar errado como o padrão a ser difundido.
Danifica, no entanto, o idioma, o homem letrado que se vale desse estratagema para se expressar e escrever, o que agora assume a condição destrutiva e corrupta do ferir a língua intencionalmente.
As transformações naturais e espontâneas virão inexoravelmente e não serão dolorosas. Aos inquietos e inconformados experimentadores linguísticos, sugere-se, portanto, que criem uma nova Língua artificial. Que façam como o oftalmologista judeu Zamenhof ao criar o Esperanto, mas que não se desfigure tanto o Idioma Lusitano. Onde colocar o genial Guimarães Rosa nesse contexto, confesso, não sei!
As imposições apressadas e artificias que o relativismo exacerbado da atualidade impõe sobre “a última flor do Lácio”, certamente provocarão grande sofrimento aos seus amantes verdadeiros.
O construtivismo, que pretende “fazer ou transformar a língua”, ou deixar a ignorância prevalecer, apenas destruirá essa providencial criação da humanidade que surgiu como uma ordem espontânea, elaborada pela ação do homem, porém, de modo não premeditado. Ninguém disse um dia: agora vou criar a língua. A interferência intencional não terá bons resultados como não teve em nenhuma área das relações sociais espontaneamente surgidas, onde foi tentada. Cito como exemplos dessas construções: a religião, a família, o livre mercado, a propriedade privada, o casamento, etc. Essas instituições tem vida própria. O construtivismo se assenta na ideia de que os homens podem melhorar ou construir racional e intencionalmente, ao seu bel prazer, raramente com boas intenções, entidades mais aperfeiçoadas. Pretendem consertar, fazer melhores do que as atuais, experimentadas pelo tempo, deduzidas pelos erros sucessivos do passado, com a intenção sub-reptícia de equalizarem as desigualdades sociais. Isso implica na destruição de modelos longamente testados e aprovados até então. São as revoluções. Nós já aprendemos com os morticínios da história, a ineficácia e a tragédia de todas as revoluções. Estamos perdendo a batalha estética da vida. Estamos apreendendo a gostar do feio. Não desejo esse destino para o Português, portanto, alerto: “deixem em paz a nossa Língua”, criem um dialeto! Que se danem os nefelibatas!
Ó, Arcádia! Arcádia! Agora querem te jogar no lixo! As Musas se calam! Só te resta a tua incrível Beleza!
Jorge Ribeiro Araújo, membro da Acadêmico Caetiteense de Letras, ocupante da “cadeira2 – João Gumes”.