O alerta de Sandra Cavalcanti e Carlos Lacerda sobre Paulo Freire e a educação
O motivo para o achado ser tão interessante é o fato de que revela como o setor lacerdista da política brasileira, orbitando a liderança do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, líder da professora Sandra e grande tribuno da União Democrática Nacional, já estava preocupado com o uso da educação e do sistema de ensino para promover ideologias, realizando doutrinação. Trata-se de problema que certamente recrudesceu a partir de meados do regime militar, com a introdução das teses gramscistas e o incremento do interesse das esquerdas pela cultura, mas que não é absolutamente inédito, encontrando raízes bem mais antigas. Do mesmo modo, atesta que aqueles que corajosamente apontam o dedo para esses problemas e defendem teses liberais e conservadoras não surgiram ontem no país.
Creio poder enriquecer a informação importante para a reconstrução da memória nacional trazendo alguns aspectos de pano de fundo para os fatos e mostrando que a professora, nesse particular, estava afinada com o discurso do próprio Lacerda. Primeiramente, a matéria registra que Sandra foi entrevistada sobre o então ministro da Educação de Jango, Júlio Sambaqui.
Segundo Sandra, o ministro era “manobrado diretamente pelo instrutor Darci Ribeiro” (futuro ícone dos governos autointitulados “socialistas morenos” de Leonel Brizola, cunhado de Jango, no Rio de Janeiro) e se tornara “agente da politização das massas”. As portarias que o ministro vinha baixando eram, para ela, similares às “ordens de serviço de Goebbels, quando chefiava a oficina especializada de propaganda para a formação ideológica da opinião pública nazista”.
A matéria dá conta ainda de que Sandra apontou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação “virou frangalho nas mãos dos comunistas que dominam atualmente o Ministério da Educação”. Em meu livro Lacerda: A Virtude da Polêmica, em que procuro sintetizar as ideias de Carlos Lacerda, demonstro que ele via na Lei de Diretrizes e Bases – um projeto original recuperado de Clemente Mariani que defendia o respeito à liberdade de ensino e às escolas particulares, bem como evitava a centralização da ditadura do Estado Novo no setor, embora mantivesse poderes nas mãos do Ministério da Educação – uma de suas maiores prioridades e conquistas como parlamentar. Diversos intelectuais de esquerda, contrários ao que chamavam de “orientação privatista” para o ensino, como o próprio Darci Ribeiro, combateram o projeto lacerdista.
Sandra disse que a Lei e a Constituição eram rasgados diariamente pelo MEC, mencionando, entre os abusos, a determinação de que os colégios fizessem o “congelamento de anuidades sem exame dos custos e dos gastos”, exigindo-se “a adoção do livro único pedagógico – antipedagógico, por sinal – sob o pretexto de preços extorsivos”. Seu líder Lacerda abordaria o mesmo assunto em entrevista à Manchete no dia 25 do mesmo mês, apenas dez dias depois, em que abordava o famigerado Comício da Central, um espetáculo de Jango, cercado de militantes e grupos esquerdistas e comunistas, com direito a ameaças ao Congresso e à Constituição.
Reproduzi esse trecho em meu livro. Dizia Lacerda: “o Partido Comunista ainda está fora da lei, mas já está no poder. Serve-se, para isso, de toda sorte de carreiristas e oportunistas. Um carreirista leva, por exemplo, os comunistas para o Ministério da Educação. Depois, acontece que o carreirista sai do ministério, mas os comunistas ficam. Veja o caso do livro único. A pretexto de baratear o livro escolar, o que é certo e necessário, o que se pretende é uma medida totalitária. Já estão reescrevendo a história do Brasil. Daqui a pouco, a nossa história não terá datas nem nomes, nem batalhas, nem episódios. Só terá ideologia – a rígida ideologia totalitária que os comunistas querem impor à juventude”.
Na mesma linha da deformação da História em nome da ideologia – verificada hoje às escâncaras, por exemplo, quando temos cursos universitários a respeito de um “golpe” em 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff que absolutamente não existiu -, ironizou a professora Sandra na entrevista ao Jornal do Brasil: “Eu não me espantarei se daqui a pouco um desses livros novos, confeccionados pelo Ministério da Educação, disser que Pedro Álvares Cabral, quando aqui chegou, encontrou sábios russos tentando salvar da espoliação os indígenas alienados”.
O que mais chamou a atenção, porém, foram seus ataques a Paulo Freire, o marxista que se tornaria no futuro Patrono da Educação no Brasil. Para quem não sabe, o método de Paulo Freire era defendido por João Goulart, ao lado de suas famigeradas Reformas de Base, como algo a ser apoiado pelas políticas educacionais. Disse a professora Sandra: “um suposto método milagroso de alfabetização é cantado em prosa e verso para justificar a utilização de processos revolucionários e subversivos junto aos adultos analfabetos: o famoso método Paulo Freire não existe. Trata-se de uma mistificação, dessas que surgem de vez em quando, reanunciando o nascimento de cabelo em carecas”. Para ela, a única coisa nova no método dele “é a formação rigorosa de monitores marxistas, incumbidos de destilar os ideais revolucionários e subversivos junto com as sílabas e os conceitos. Isso sim é novo, mas não pode ser chamado de método pedagógico. Trata-se de um método político. Trata-se de um método subversivo. Não representa nenhuma conquista no mundo da inteligência e não adianta em nada a tarefa dos professores”.
Ela já denunciava que os comunistas pretendiam criar, “em 10 ou 15 anos”, toda “uma geração atuante”, “conformada aos seus planos, engajada nas suas lutas”, começando pelos meios universitários e deparando-se com “democratas omissos”, entre os quais ela menciona o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do PSD – o outro braço do varguismo, junto com o PTB de Jango. Para ela, JK abriu as portas para eles ao apoiar o financiamento de institutos e centros de pensamento dominados pelas tendências marxistas e legitimar uma “greve de estudantes” que “mantiveram um Diretor de faculdade prisioneiro durante mais de 30 horas”. Sabe essas “ocupações” de universidades que vinham acontecendo há pouco tempo, com o beneplácito de boa parte da classe pensante e da imprensa? Pois é, pouca coisa de novo…
Os problemas são velhos – e os alertas também. É bem tarde, mas ainda há tempo de ouvi-los e trabalhar para que prioridades avancem em vez de fantasias ideológicas.