Por Alex Antunes | Alex Antunes – sex, 8 de mai de 2015
O jornalista Ricardo Kotscho é uma importante figura no petismo. Reconhecido e premiado, com décadas de carreira, foi secretário de imprensa de Lula no Planalto. Sabe tudo das internas do poder. Por isso é tanto mais impressionante o texto em que analisa o isolamento, falta de discurso e a real ameaça ao ex-presidente nas investigações em curso.
Diz ele: “Fiquei triste ao ver e ouvir o discurso de Lula neste 1º de Maio da CUT, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo (…) Em toda a sua longa trajetória, do sindicato ao Palácio do Planalto, Lula nunca ficou tão isolado num palanque, sem estar cercado por importantes lideranças políticas, populares e sindicais (…) A presidente Dilma já tinha avisado que não viria, mas desta vez nem o prefeito Fernando Haddad apareceu. Só havia gente desconhecida a seu lado e, ainda por cima, um deles segurava o cartaz em que se lia ‘Abaixo Plano Levy – Ação Petista’, mostrando o descompasso entre a CUT, o partido e o governo”.
E continua: “Também não me lembro de ter visto Lula falando para tão pouca gente, e tão desanimada, num Dia do Trabalhador. Não havia ali sinais de alegria e esperança em quem o ouvia, como me acostumei a acompanhar desde o final dos anos 70 do século passado, nas lutas dos metalúrgicos no ABC. Lamento muito dizer, mas o discurso de Lula também não tem mais novidades, não aponta para o futuro. Tem sido muito repetitivo, raivoso, retroativo, sempre com os mesmos ataques à mídia e às elites, sem dar argumentos para seus amigos e eleitores poderem defendê-lo dos ataques”.
Não é Kotscho que está passando recibo – é o próprio Lula. Decidido (ou melhor, forçado) a fazer jogo duplo, defendendo e atacando Dilma ao mesmo tempo, sua fala não só não alimenta os aliados, como queria Kotscho, como sequer faz sentido. Funcionaria apenas como apelo emocional – se o tom não fosse tão ressentido e desagradável. A real é que Lula piscou. Como nunca antes em sua longa trajetória.
Lula passa recibo de que o ato em si não foi representativo (“não é a quantidade de pessoas que mostra a grandeza do primeiro de maio”); usa a discussão da maioridade penal para se desviar do assunto desagradável, as medidas provisórias do ajuste fiscal que retiram direitos trabalhistas; mente sobre suas pretensões políticas (“sou um cidadão quase que aposentado”, “não tenho intenção de ser candidato a nada”). Mas, principalmente, exibe a incontornável divisão petista ao pedir paciência com Dilma e ao mesmo tempo reconhecer que ela “está fazendo o que não gostamos”. E mostra a fúria com as investigações de que é alvo.
Na terça feira seguinte, mais à vontade, Lula protagonizou o programa de televisão do PT. Contra o pedido do partido, Dilma esteve ausente, assim como não tinha aparecido publicamente no 1º de maio – fez bem, o programa foi recebido com um novo panelaço, o primeiro protagonizado por Lula. Em outra análise à esquerda, em texto postado no facebook, Luciana Genro chama a política econômica do quarto mandato presidencial petista de comédia de erros: “Ato 2: Depois de vencer as eleições Dilma nomeia Joaquim Levy para executar o ajuste que ela acusou Aécio de defender. Além disso edita as Medidas Provisórias 664 e 665. A primeira muda as regras dos benefícios previdenciários, dificultando o acesso à pensão por morte e diminuindo o teto do valor do auxílio doença. A segunda dificulta o primeiro acesso ao seguro desemprego, deixando de fora cerca de 64% dos trabalhadores demitidos, segundo o DIEESE. Ato 3: O PT veicula um programa de TV no qual se diz o grande defensor dos direitos dos trabalhadores. Lula ataca as terceirizações mas nada fala sobre as MPs”.
É um contexto bizarro, em que o PT teve que ser chantageado pelo PMDB para fechar questão (definir uma posição partidária) nas votações das MPs presidenciais na câmara, no que o colunista Bernardo Mello Franco chamou de “vitória amarga”. Lula está destemperado; o símbolo da potência política do partido ameaçado por investigações de lobismo internacional e revelações de empreiteiros. Por muito pouco, Léo Pinheiro, o ex-presidente da OAS, foi liberado para a prisão domiciliar pelo Superior Tribunal Federal quando estava quase dando na língua nos dentes a respeito de favores pessoais a Lula.
Fora a tal “vitória amarga”, a principal derrota de Dilma nos últimos dias foi a aprovação da chamada PEC (proposta de emenda à constituição) da bengala. Ela prolonga a idade limite dos juízes do STF de 70 para 75 anos, o que fará que a presidente deixe de indicar cinco novos nomes para o tribunal, mantendo a composição atual durante seu mandato. Análises chegaram a chamar a derrota de tiro no pé, dado por Lula ao atacar o aliado PMDB pela “perda da dignidade do trabalhador” na televisão. Soube-se depois que o presidente da câmara, Eduardo Cunha, já estava pronto antes para fazer essa votação; a fala de Lula foi só pretexto.
Eduardo Cunha, no entanto, não está por cima. Uma das frentes das investigações da Operação Lava Jato se aproxima mais e mais dele. Nesse salve-se quem puder, diz Luciana Genro que se aproxima o momento em que o público da comédia de erros vai pedir o dinheiro de seu ingresso (seu voto) de volta. Eu pediria. Mas isso se chama impeachment – e talvez prisão. (Na foto, cartazes de “procura-se” com Lula e Dilma colados em São Paulo, que foram alvo de pedido de apreensão pelo PT).
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