Região está em conflito desde 2014, após separatistas pró-Rússia tomarem prédios governamentais e se autodeclararem repúblicas.
21/02/2022 às 20:16
Mesmo com as forças russas se concentrando na fronteira com a Ucrânia, os holofotes desta semana se voltaram para a guerra de baixa intensidade no leste ucraniano e seu possível papel na preparação do cenário para um conflito mais amplo.
Nos últimos três dias, houve um aumento nos bombardeios ao longo de várias partes das linhas de frente. Os ucranianos dizem que os bombardeios dos separatistas apoiados pela Rússia estão no nível mais alto em quase três anos e, por sua vez, os separatistas alegam o uso de armamento pesado pelas forças armadas ucranianas contra áreas civis.
Um jardim de infância em território controlado pela Ucrânia, a menos de 5 quilômetros da linha de frente, foi atingido na quinta-feira. Na sexta-feira e no sábado, as autoridades ucranianas relataram um novo aumento de bombardeios com armamento pesado, o que é proibido dentro de 50 quilômetros das linhas de frente, segundo os Acordos de Minsk.
Autoridades ucranianas dizem que houve 60 violações de um cessar-fogo na quinta-feira, muitas delas por armas pesadas.
Os líderes separatistas dos dois territórios pró-Rússia – que se autodenominam Repúblicas Populares de Luhansk e Donetsk – alegaram que os ucranianos estão planejando uma grande ofensiva militar na área. Na sexta-feira, eles organizaram evacuações em massa de civis para a Rússia, enquanto instruíam os homens a permanecerem e pegarem em armas.
Autoridades ucranianas negam repetidamente tais planos. Na sexta-feira, o chefe do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, Oleksiy Danilov, disse: “Há um grande perigo de que os representantes da Federação Russa que estão lá possam provocar certas coisas. Eles podem fazer coisas que não têm nada a ver com nossos militares”.
Danilov não forneceu evidências, mas acrescentou: “Não podemos dizer exatamente o que eles vão fazer – se explodir ônibus com pessoas que devem ser evacuadas para a região de Rostov ou explodir casas – não sei”.
Danilov disse isso poucas horas após a misteriosa explosão de um veículo pertencente a um funcionário do alto escalão na cidade de Donetsk, perto do quartel-general dos separatistas.
O líder da região, Denis Pushilin, chamou isso de ato de terrorismo. Mas as autoridades ucranianas e autoridades ocidentais disseram que era uma provocação encenada – projetada talvez para justificar uma intervenção russa.
Depois de ficar relativamente quieta durante grande parte deste ano, a “linha de contato” tem estado muito mais ativa nos últimos dias – à medida que o futuro das regiões separatistas da Ucrânia se envolve em uma gama muito mais ampla de queixas e demandas russas.
Qual é a história recente em Donbas?
A guerra no local começou em 2014, depois que rebeldes apoiados pela Rússia tomaram prédios do governo em vilas e cidades do leste da Ucrânia. Intensos combates deixaram partes das áreas de Luhansk e Donetsk, no leste da região de Donbas, nas mãos de separatistas apoiados pela Rússia. A Rússia também anexou a Crimeia, que era da Ucrânia, em 2014, em um movimento que provocou condenação global.
As áreas controladas pelos separatistas em Donbas ficaram conhecidas como a República Popular de Luhansk (RPL) e a República Popular de Donetsk (RPD). O governo ucraniano em Kiev afirma que as duas regiões estão de fato ocupadas pelos russos. As repúblicas autodeclaradas não são reconhecidas por nenhum governo, incluindo a Rússia. O governo ucraniano se recusa a falar diretamente com qualquer uma das repúblicas separatistas.
O acordo Minsk II de 2015 levou a um cessar-fogo instável, e o conflito se estabeleceu em uma guerra estática ao longo da linha de contato que separa o governo ucraniano e as áreas controladas pelos separatistas. Os Acordos de Minsk (em homenagem à capital de Belarus, onde foram celebrados) proíbem armas pesadas perto da linha de contato.
A linguagem em torno do conflito é fortemente politizada. O governo ucraniano chama as forças separatistas de “invasores” e “ocupantes”. A mídia russa chama as forças separatistas de “milícias” e afirma que são pessoas locais se defendendo contra o governo de Kiev.
Mais de 14 mil pessoas morreram no conflito em Donbas desde 2014. A Ucrânia diz que 1,5 milhão de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas, com a maioria permanecendo nas áreas de Donbas que que estão sob controle ucraniano e cerca de 200 mil reassentados na região de Kiev.
Como Putin alimentou o conflito?
Os separatistas em Donbas tiveram apoio substancial de Moscou. A Rússia afirma que não tem soldados no local, mas autoridades dos EUA, da Otan e da Ucrânia dizem que o governo russo ajuda os separatistas, fornecendo apoio consultivo e inteligência, e incorpora seus próprios oficiais em seus postos.
Moscou também distribuiu centenas de milhares de passaportes russos para pessoas em Donbas nos últimos anos. Autoridades e observadores ocidentais acusaram o presidente russo Vladimir Putin de tentar estabelecer fatos no terreno naturalizando ucranianos como cidadãos russos, uma maneira de reconhecer os estados separatistas. O que também lhe dá uma razão para intervir na Ucrânia.
Na semana passada, o parlamento russo recomendou que o Kremlin reconheça formalmente partes da RPL e da RPD como estados independentes, outra escalada na retórica que as autoridades americanas dizem ser evidência de que Putin não tem intenção de cumprir o acordo de Minsk.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse na quarta-feira que a Ucrânia “não vai parar até que libertemos nossos territórios em Donbas e Crimeia até que a Rússia pague por todos os danos que causou na Ucrânia”.
Putin há muito acusa a Ucrânia de violar os direitos dos russos étnicos e os que falam russo na Ucrânia, e disse que está dentro do direito da Rússia intervir militarmente para protegê-los.
Na quarta-feira, Putin alegou que “genocídio” estava sendo cometido em Donbas. Suas alegações não são novas, mas o momento é um motivo de preocupação para os formuladores de políticas ocidentais, que temem uma repetição do conflito de 2008 que aconteceu na Geórgia.
Ao invocar o genocídio esta semana, Putin estava ecoando a falsa alegação da Rússia de que a Geórgia cometeu genocídio contra civis na república separatista da Ossétia do Sul, em agosto de 2008. Durante esse breve conflito, a Rússia lançou uma incursão militar massiva que penetrou profundamente no território georgiano.
O que está acontecendo em Donbas agora?
No sábado, pessoas das regiões controladas pelos separatistas começaram a atender à ordem de evacuação, partindo em ônibus pela fronteira russa. As autoridades russas prometeram abrigo e compensação – enquanto a mídia estatal russa cobriu todos os aspectos e episódios do êxodo limitado – com a mensagem inconfundível de que as pessoas estavam saindo aos milhares por medo dos ataques ucranianos.
No início de sábado, as agências de notícias russas informaram que cerca de 10 mil pessoas já haviam cruzado a fronteira. E as autoridades russas dizem que estão prontas para a chegada de até 900 mil pessoas, embora as lideranças separatistas tenham ordenado que os homens ficassem para trás e pegassem em armas, e anunciaram uma mobilização geral.
Como foi em 2014, a região de Donbas é agora o centro do conflito entre o leste e o oeste, entre a vontade de Putin de reafirmar o controle – enfraquecendo o Estado ucraniano – e a crescente aspiração dos ucranianos de se juntar ao rebanho das democracias europeias.
Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/
Contribuíram para esta reportagem: Tamara Qiblawi, de Lviv, na Ucrânia; Nathan Hodge, de Moscou, na Rússia; e Ivana Kottasová, de Kiev, Ucrânia, jornalistas da CNN. Além de Anastasia Horpinchenko e Kara Fox.