Boa noite, meus caros nobres e otários eleitores. É incrível! É inacreditável! Nunca vi tamanha fidelidade e, muito menos, durar por tanto tempo. Hoje, eu seria capaz de jurar que não apareceria sequer um de vocês aqui no meu comício, depois de todos os males que fiz a cidade. Pelo visto, enganei-me redondamente, pois ei-los novamente como sempre fizeram ao longo de todo este tempo.
Trinta e cinco anos se passaram, e eu, prometendo mundos e fundos e cumprindo zorra de nada, e vocês sempre a me prestigiar.
Vão ser bestas assim no raio que os partam. O próprio Freud não explicaria tamanha idiotice coletiva, uma vez que passei anos a fio repetindo as mesmas lorotas de sempre, e vocês acreditando piamente em mim como se eu estivesse falando as mais puras verdade. Ser cego é coisa do destino, mas, ser cego e besta é coisa de babaca.
Meus ilustres e abestalhados eleitores. Olha…O que eu tenho roubado nessa prefeitura não é brincadeira, não. Cheguei a esta idade, sem nunca ter trabalhado na vida, sem nunca ter dado um prego numa barra de sabão, e graças ao suor e a burrice de vocês, acabei educando todos os meus filhos nas melhores escolas do país. Não sei se vocês se lembram daquelas mentirinha que eu apregoava pelos quatro cantos: A prefeitura está sem dinheiro! A prefeitura está quebrada! Lembram-se? E enquanto o povo acreditava em mim, eu ia passando a mão no tutu que lá estava. Passei a mão em tanta grana, a ponto de erguer uma fortuna só comparada com a do imperador Fernando Collor de Mello e do Coronel José Sarney. Eu sempre achei que não tinha dom para coisíssima nenhuma na vida, exceto mentir, e graças as minhas humildes mentirinhas, agora, vivo folgado econômico e financeiramente.
Lembro-me como se fosse hoje, a facilidade que tive de usar o dinheiro da prefeitura em causa própria e da família. Depois que me fiz, é claro, levantei a construtora falida do meu irmão; Fiz funcionar a fábrica de tijolos e ladrilhos do meu cunhado e de quebra revitalizei o caixa da loja de material de construção da minha sogra. Sem contar tantas e tantas outras ajudas que dei a toda minha família. Hoje, graças a Deus, bato no peito e digo com todo orgulho do mundo: na minha família não tem pobre.
A princípio tive algumas dores de cabeça para fazer as minhas empresas e as dos meus parentes vencerem a concorrência da prefeitura, mas valeu a pena. Depois, passamos a construir obras singelas por preços faraônicos. Na época, os vereadores da oposição diziam que o legislativo municipal era sério e merecia respeito, porém, bastou um punhado de dólares para eu comprar todos os ideais dos radicais. Quanto ao apoio dos vereadores analfabetos, foi mamata, não gastei um tostão. Como eles não sabiam ler mesmo, eu menti dizendo que o projeto tratava-se de construções de escolas, e eles acreditaram.
Hoje a cidade não oferece o conforto que deveria oferecer por culpa de vocês que votaram em mim. Se não fossem tão atoleimados, teriam escolas públicas melhores, bem melhores do que as particulares e até hospitais de graça. E o dinheiro que vocês gastam com esses serviços particulares, poderia ser utilizado no lazer da família e numa alimentação melhor.
Em todo esse tempo que passou, vocês nunca deixaram de pagar os impostos exigidos por lei. Todos os IPTU’s da vida. Zona azul, taxa de lixo, esgoto, luz, o escambal. E o que receberam em troca? Lixo! Muito Lixo! Foi isto que vocês receberam, e um péssimo sistema de esgoto que se arrebenta a toda hora, alagando a cidade com dejetos fecais, deixando as ruas pútridas, pondo em risco a saúde da população.
Lamento profundamente por todos estes constrangimentos que vocês vivem agora. Peço-lhes desculpas em público por deixar a cidade em estado calamitoso o qual se encontra. Sei que poderia fazer muito mais e não fiz. Sei também que poderia ter sido mais útil e não fui, pois a minha família em primeiro plano, é claro, ela é grande demais e eu não poderia deixar para amanhã a oportunidade de enriquecê-la hoje. Afinal, a cidade é a que é, porque seus eleitores são o que são. Portanto, não adianta esperar cidade melhor até que tenhamos eleitores melhores.
(Extraído do Livro: “A Ânsia de Ser” de Zé William”